terça-feira, 4 de agosto de 2009

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O DISCURSO DA FOLHA DE SÃO PAULO NO CASO ISABELLA NARDONI




LUCIANO JOSÉ CAMACAM COSTA DA SILVA




SALVADOR
2009

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LUCIANO JOSÉ CAMACAM COSTA DA SILVA




O DISCURSO DA FOLHA DE SÃO PAULO NO CASO ISABELLA NARDONI



Monografia apresentada como pré-requisito para a conclusão do curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, da Faculdade da Cidade do Salvador.

Orientadora: Prof.ª Antoniella Devanier



SALVADOR
2009
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LUCIANO JOSÉ CAMACAM COSTA DA SILVA



O DISCURSO DA FOLHA DE SÃO PAULO NO CASO ISABELLA NARDONI

Monografia apresentada como pré-requisito para a conclusão do curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, da Faculdade da Cidade do Salvador.

Orientadora: Prof.ª Antoniella Devanier

APROVADO EM 18 / 06 / 2009

BANCA EXAMINADORA


ORIENTADORA ANTONIELLA DEVANIER
MESTRE

PROFESSORA MÁRCIA ROCHA
MESTRE

PROFESSORA WILMA NASCIMENTO
ESPECIALISTA
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"Se o homem, na sua experiência estética, não realiza necessariamente sua vocação, ao menos manifesta melhor sua condição. Essa experiência revela sua relação mais profunda e mais estreita com o mundo.Se ele tem necessidade do belo, é na medida em que precisa se sentir no mundo. Estar no mundo não é ser uma coisa entre as coisas, é sentir-se em casa, entre as coisas, mesmo as mais surpreendentes e as mais terríveis porque elas são expressivas"

Dufrenne

...................................................RESUMO

A presente monografia descreve como foi realizada a cobertura do caso Isabella Nardoni pela Folha de S. Paulo durante os três primeiros meses após o crime: abril, maio e junho. Para melhor compreender esse processo foi analisado o discurso da Folha de S. Paulo após este crime, em que foi verificado haver sensacionalismo pelo jornal, bem como por vários outros veículos de comunicação do Brasil. Além de espetáculo, foram verificadas, também, posturas anti-éticas por parte dos jornalistas e do próprio veículo de comunicação, ao ser exposto em confronto com o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, com a Constituição Federal e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.


Palavras-chave: Mídia, Jornalismo, Espetáculo, Folha de S. Paulo, Caso Isabela, Ética.




........................................ABSTRACT

This monograph describes as the coverage of the event held Isabella Nardone by Folha de S. Paul during the first three months after the crime: April, May and June. To better understand this process was considered the speech of the Folha de S. Paul after this crime, it was found there by newspaper sensationalism, and by several other vehicles of communication in Brazil. In addition to performance, were found, too, anti-ethical attitudes on the part of journalists and the vehicle of communication, to be exposed in confrontation with the Code of Ethics of Journalists Brazilians, with the Federal Constitution and the Universal Declaration of Human Rights.


Word-key: Media, Journalism, Spectacle, Folha de S. Paulo, If Isabella, Ethics.

.............................................SUMÁRIO



1 A CENSURA E A ÉTICA NA MÍDIA, ESPECIALMENTE NA IMPRESSA........................................................................7

1.1 LIBERDADE DE EXPRESSÃO E CENSURA NO JORNAL IMPRESSO

1.2 ESPETÁCULO E MERCADORIA: EFEITOS INVISÍVEIS DA NOTÍCIA

2 ANALISE DO DISCURSO DA FOLHA NO CASO ISABELLA NARDONI.........................................................12

2.1 AFOLHA DE S. PAULO

2.2 ANÁLISE DO DISCURSO

3 O USO DO JORNALISMO CIENTÍFICO PELA FOLHA.................................................................................23

3.1 O CASO ISABELLA: UM PRODUTO À VENDA

3.2 A COMUNICAÇÃO E A LINGUAGEM PELA FOLHA

4 ANÁLISE DOS LEADS DA FOLHA DE S. PAULO NA COBERTURA.......................................................................36

4.1 OS SENTIDOS DOS ENUNCIADOS DA FOLHA DE S. PAULO

5 ASPECTOS ÉTICOS DAS REPORTAGENS PUBLICADAS NA FOLHA..............................................47


6 CONCLUSÃO....
..............................................................60

REFERÊNCIAS

1 A CENSURA E A ÉTICA NA MÍDIA, ESPECIALMENTE NA IMPRESSA

O termo “mídia” vem de um vocábulo latino que em nossa língua significa “meios”. É todo veículo de comunicação utilizado pelos jornalistas e publicitários para enviar suas informações aos seus públicos e à sociedade. Assim, milhares de informações são enviadas todos os dias para milhões de pessoas em todo o mundo, pelos diversos tipos de mídia, como a impressa, televisiva, radiofônica, internet e outros.

Porém, essas informações podem ser produzidas e enviadas de diversas maneiras, seguindo padrões, limites e interesses, isto é, a ideologia organizacional e, muitas vezes, também mercadológica, ou seja, a divulgação ocorre de uma forma que venda mais, que lucre mais, mesmo que às vezes desrespeite as leis e os direitos humanos.

A metodologia utilizada para este estudo de caso foi a análise do discurso de trinta reportagens da Folha de S. Paulo que publicou diariamente matérias sobre esse assunto.

A Análise do Discurso, como seu próprio nome indica, não trata da língua, não trata da gramática, embora todas essas coisas lhe interessem. Ela trata do discurso. E a palavra discurso etimologicamente, tem em si a idéia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando. Na Análise do discurso, procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história. (ORLANDI, 1999, p.15).

Também foram citados autores que falam sobre a ética no jornalismo, pesquisas em sites da internet para alcançar os objetivos deste trabalho que são informar e trazer uma resposta sobre aspectos dessa cobertura, tornando ainda mais transparente a funcionalidade do processo de apuração dos fatos pelos jornalistas, especialmente sobre a cobertura do Caso Isabela. Analisou-se aspectos importantes que dizem respeito à manipulação da informação, julgamento pela imprensa e os motivos que levam a isso, como a espetacularização da notícia, em busca da audiência e um número maior na tiragem dos jornais impressos.

Foram mostrados fotos da Folha de S. Paulo, suas manchetes e matérias que comprovam que o espetáculo midiático vai bem mais além do que o profissionalismo; e foram identificados aspectos desta natureza quando o jornal não cobriu o fato de forma imparcial, quebrando as regras para análise e processo de construção da informação. Em muitos textos, percebeu-se uma agressão ao Código de Ética e à Declaração Universal dos Direitos Humanos. O trabalho, em alguns momentos, realizou um diálogo com outros veículos de comunicação, como O Diário de S. Paulo e a TV Globo.

1.1 LIBERDADE DE EXPRESSÃO E CENSURA NO JORNAL IMPRESSO
O direito à liberdade de informação é um direito social que está previsto na Constituição de diversas nações, pois nada tão importante como o conhecimento para auxiliar no desenvolvimento cultural, intelectual e social de uma sociedade. Sendo assim, a liberdade de imprensa não deveria em hipótese nenhuma ser bloqueada, pois o papel do jornalismo com a população é de informar os fatos de interesse público que auxiliem na ordem social e no conhecimento humano.

A liberdade de imprensa é imprescindível não só para os jornalistas como também para todas as camadas da população. Historicamente, entretanto, essa liberdade, pelo menos no Brasil, sempre esteve sob a ameaça das censuras, seja econômica, seja política ou policial. (MATTOS, 2005, p.7).

Após ser criada em 1967, a lei de imprensa que funcionou por mais de quarenta anos foi revogada pelo Supremo Tribunal Federal em abril de 2009. Os onze ministros que votaram contra a lei de imprensa entenderam que ela foi escrita na época da Ditadura Militar e que, de certa forma, implicava na liberdade de expressão, da informação e do pensamento, o que restringe o conhecimento humano quando esses direitos são cerceados. A partir dessa decisão, o Código Penal Brasileiro é quem vai julgar alguns crimes presentes na extinta lei, como calunia, injuria e difamação. Mas a história da censura no Brasil, se tratando de jornalismo, foi marcada pelo primeiro jornal impresso deste país, o Correio Braziliense.

O primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense, era impresso em Londres para fugir da censura. Desde o Brasil colônia já se passaram muitos anos, mas o espectro da censura permaneceu entre nós, por meio de governos civis e militares, e, hoje, apesar da garantia da Constituição, o Jornalismo brasileiro não pode ainda comemorar ou declarar que vive num clima de completa liberdade por causa das inúmeras iniciativas que ainda visam impor a censura aos veículos e profissionais de comunicação. (MATTOS, 2005, p.7).
Apesar da censura não acontecer de forma direta, não significa que os veículos de comunicação sejam plenamente livres. O universo formado pelas fábricas da informação necessita de inúmeros fatores para que estejam em funcionamento, desta forma, o governo dá a autorização e concessão de funcionamento dos veículos de comunicação.

Os meios de comunicação de massa do Brasil, além de serem dependentes da importação de software e hardware, também o são do suporte publicitário, que é a principal fonte de receita das empresas que os operam. Quem controla, autorizando e concedendo cotas para importação/exportação, é o governo, que também se apresenta, em todos os níveis (federal, estadual e municipal), como o maior anunciante individual do país, fato que favorece seu poder de ingerência nos veículos por meio do controle econômico. (MATTOS, 2005, p.12).

O que também não significa censura, mas uma possibilidade desta acontecer uma vez que os veículos não são plenamente livres. Os veículos de comunicação sofrem pressões como do governo, ideológica e econômica, por exemplo.

1.2 ESPETÁCULO E MERCADORIA: EFEITOS INVISÍVEIS DA NOTÍCIA
Tendo como um talento às técnicas da comunicação, os jornalistas são os profissionais que trabalham em televisões, revistas, jornais impressos, internet, rádio e assessoria. Como num sistema capitalista os meios de produção trabalham visando a concorrência e estão sempre de olho nas fatias que o mercado oferece, a Folha de S. Paulo não é diferente por estar inserida nessa categoria; ela busca uma maior audiência, uma maior tiragem.

Os jornalistas são trabalhadores intelectuais. Vendem o seu trabalho e o seu talento, com ou sem vínculos empregatícios, para empresas capitalistas – ou empresas mais ou menos públicas, que, de todo modo, se viabilizam segundo critérios de mercado. Alguém irá discordar: nem todos os jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão, nem todos os sites jornalísticos da internet pertencem necessariamente a capitalistas. Mas todos os jornalistas, sem exceção, vendem seu trabalho e seu talento no mercado capitalista. (BUCCI, 2000, p. 75-76).

Como o trabalho dos jornalistas é vendido para os veículos de comunicação de massa, são submetidos a questão ideológica e mercadológica de cada um deles, ao contrário este profissional certamente não estaria mais trabalhando neste veículo, como pela ordem natural da sociedade, o homem precisa de emprego para estabelecer controle às suas necessidades, tem que se submeter a questões como esta: a mercadológica.

O que importa destacar é que tanto os jornalistas da tv Cultura como a sua programação estão expostos às leis de mercado assim como os jornalistas e programas das emissoras comerciais. O repórter da Rede Globo e o da tv Cultura disputam o mesmo mercado: são assalariados em busca de melhores proventos, e não diferenciam eticamente o fato de trabalhar em uma televisão pública do de trabalhar numa rede privada. (BUCCI, 2000, p. 76).

Da TV Cultura pode se dizer que não há um extremo laço de interesse mercadológico, uma vez que esta se trata de uma emissora cultural, que tem como seu foco principal transmitir programas de educação à população, porém, ela não está isenta, pois em sua programação também existe a publicidade que sustenta a emissora. Se tratando dos jornalistas que nela trabalham também funciona da mesma forma: não há objetividade total, cada jornalista constrói seu discurso, também, mas não apenas, de acordo com suas experiências culturais, e, ainda que ele tente ser objetivo, possui sua linha de pensamento que tende a tomar uma vertente. Assim aconteceu com a Folha de S. Paulo durante o caso Isabella Nardoni.

O repórter ideal seria o que não torcesse para nenhum time de futebol, não tivesse suas pequenas predileções eróticas, nem seus fetiches, nem seus pecados, que não professasse nenhuma fé, que não tivesse inclinações políticas e nenhum tipo de identificação étnica ou cultural. (BUCCI, 2000, p. 96).

Porém não existe ninguém que não tenha uma linha de pensamento em relação aos assuntos sociais, portanto os jornalistas da Folha também são assim. O que pode acontecer é eles tentarem se aproximar ou pensarem que estão sendo neutros, mas haverá em seu texto uma ou outra palavra que tenderá para um lado da história.

O princípio do fetichismo da mercadoria, a dominação da sociedade por “coisas supra-sensíveis embora sensíveis”, se realiza completamente no espetáculo, no qual o mundo sensível é substituído por uma seleção de imagens que existe acima dele, e que ao mesmo tempo se faz reconhecer como sensível por excelência. (DEBORD, 1997, p. 28).

A sociedade se sente atraída pela mercadoria e, por isso, lhe garante um valor simbólico capaz de fazer dela, um ser praticamente inseparável, é a indústria cultural quem lhes dita a forma que os produtos devem ser consumidos, como e quando devem ser substituídos através dos meios de comunicação de massa.

A tão evidente perda da qualidade, em todos os níveis, dos objetos que a linguagem espetacular utiliza e das atitudes que ela ordena apenas traduz o caráter fundamental da produção real que afasta a realidade: sob todos os pontos de vista, a forma-mercadoria é a igualdade confrontada consigo mesma, a categoria do quantitativo. Ela desenvolve o quantitativo e só pode se desenvolver nele. (DEBORD, 1997, p. 28).

No sistema capitalista o fator principal é o acirramento da concorrência e a mercadoria como foco principal dos negócios. Sendo assim, as notícias publicadas pela Folha de S. Paulo, são uma mercadoria, uma vez que são vendidas a quem compra o jornal, devido a essa demanda de mercado. A qualidade, em alguns momentos, deixa de ser prioridade e é substituída pela quantidade.

O espetáculo é o momento em que a mercadoria ocupou totalmente a vida social. Não apenas a relação com a mercadoria é visível, mas não se consegue ver nada além dela: o mundo que se vê é o seu mundo. A produção econômica moderna espalha, extensa e intensivamente, sua ditadura. (DEBORD, 1997, p. 30).

Isto é, não eram todos os dias que a Folha tinha informações suficientes ou novas para publicar sobre o Caso Isabella, mas não deixava de fazer, justamente porque aquele era um assunto que estava em evidência e despertava a atenção do leitor, dessa forma, mesmo usando matérias de gaveta - aquelas que podem ser usadas em qualquer momento e não exigem necessariamente pressa para serem publicadas, assim a qualidade deixa de ser prioridade e é substituída pela quantidade.
2 ANALISE DO DISCURSO DA FOLHA NO CASO ISABELLA NARDONI

Em 29 de março de 2008, a mídia apresentou pela primeira vez a morte de Isabela Nardoni, uma menina de 5 anos, de classe média alta que caiu do 6º andar do apartamento do seu pai e madrasta, Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, na zona norte de São Paulo, região do Carandiru, cerca de 23h50 de sábado. O pai e a madrasta foram à delegacia e contaram à polícia que chegaram em casa com a família e quando desceram para buscar o restante das coisas no carro, na garagem, alguém entrou em seu apartamento, cortou a tela de proteção e jogou sua filha de 6º andar. Ainda meio tímida, a mídia aos poucos foi dando cada vez mais atenção a este caso que virou um espetáculo, e da forma que foi mostrado por alguns veículos, chocou a sociedade. Durante esse período, mesmo ainda cedo e sem decisão judicial, a maioria dos veículos de comunicação já falava sobre o assunto como se tivesse certeza de que foram o pai e a madrasta da menina quem a matou.

Tornou-se algo comum ver manchetes em jornais impressos, revistas e emissoras de televisão mostrando declarações do promotor Francisco Cembranelli, declarações estas que ainda não tinham sido comprovadas e ainda eram muito precipitadas para se falar daquela forma, pois para ele, para sua profissão e até por sua experiência como promotor pode ser comum agir desta forma, mas para as emissoras de televisão e os jornalistas não, estas informações devem ser filtradas. Programas de auditório, aqueles que normalmente são à tarde, fazendo do caso, uma forma de envolver o telespectador e ganhar audiência, causando um verdadeiro desrespeito à privacidade das famílias e moradores do prédio onde aconteceu o fato e daquelas pessoas que moravam perto do local da ocorrência. Um ano se passou e o caso inda não teve uma decisão final e ainda cabe recurso para ambos os acusados. Por mais que sejam evidentes os fatos, não cabem o julgamento pela mídia; ela serve de meio que decodifica e transmite as informações.

Ao analisar o discurso, que segundo Orlandi (1999) “visa à compreensão de como um objeto simbólico produz sentidos, como ele está investido de significância para e por sujeitos”, selecionou-se a Folha de S. Paulo, que tem circulação por todo o Brasil e é considerado um dos maiores jornais impressos do país, com maior tiragem em relação a todos os outros: 309.383, na frente do segundo colocado, O Globo, com 276.385. A Folha de S. Paulo, como todos os outros veículos de comunicação, participou da cobertura do caso Isabella, publicando diariamente, notícias na primeira página do caderno Cotidiano, apresentando destaque principalmente nos meses de abril e maio de 2008. Após esse período, a Folha não mostrava mais com tanta ênfase o assunto, mas continuou a acompanhar e a publicar as novas informações divulgadas pela justiça durante as investigações.

2.1 A FOLHA DE SÃO PAULO
A Folha de S. Paulo nasceu em 19 de fevereiro de 1921 com o nome Folha da Noite. Em 1960 dois amigos, Octavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho, compraram e a Folha mudou de nome.
O veículo é conhecido pela cobertura e apoio a diversos movimentos políticos como a eleição de Júlio Prestes à presidência da República, em 24 de outubro de 1930. Após esse apoio o jornal teve sua fachada depredada e parou de funcionar.
A Folha só voltou a funcionar em 1931, com mudanças em sua linha editorial. Anos mais tarde, a Folha apoiou o Golpe de 1964 e a Ditadura Militar o que mais tarde trouxe prejuízos ao veículo que teve sua circulação comprometida, pois grupos de esquerda que, contrários à Ditadura incendiavam as bancas que recebiam o jornal, em 1970.

A Folha sempre se mostrou interessada em continuar suas atividades como um veículo de comunicação. Foi pioneira no que diz respeito à modernização de sua redação quando, em 1980, foi a primeira a trazer computadores à sua redação. Ainda nesta época a Folha começou a ilustrar suas matérias com infográficos que hoje lhe dão o título de um dos jornais que têm os melhores e mais bem explicativos infográficos do Brasil. Durante o caso Isabella, a Folha de S. Paulo usou infográficos em quase todas as suas matérias.

Cada vez mais crescente, o jornalismo impresso no país, a Folha de S. Paulo teve que inovar e trouxe, em 1990, novas opções dentro do jornal, como Revista da Folha, Folha Teen, e a TV Folha. Hoje o jornal traz como cadernos principais, Capa, Opinião, Brasil, Mundo, Ciência, Dinheiro, Cotidiano, Esporte, Ilustrada e Acontece, além de Classificados.
Atualmente, a Folha de S. Paulo é o veículo impresso que mais vende no estado de São Paulo, após superar o seu principal concorrente, O Estado de S. Paulo, em 1990, quando investiu em sua reformulação gráfica.

2.2 ANÁLISE DO DISCURSO
Ao analisar um texto, utiliza-se as técnicas necessárias para que se possa fazer análise tentando também ser o mais transparente possível, esclarecendo o sentido ideólogico-linguístico das palavras, fazendo assim um trabalho abrangente e mostrando os processos multiformes, polissêmicos e semânticos das palavras, apontando, extraindo ou re-significando-as de acordo com a metodologia discursiva.

Os procedimentos da Análise do Discurso têm a noção de funcionamento como central, levando o analista a compreendê-lo pela observação dos processos e mecanismos de constituição de sentidos e de sujeitos, lançando mão da paráfrase e da metáfora como elementos que permitem um certo grau de operacionalização dos conceitos. (ORLANDI, 1999, p. 77).

Ao observar um corpus, o jornalista verifica o estudo da língua e a forma que ela é apresentada, inserindo-se assim, os esquecimentos, porém nesta etapa apenas um deles é usado, que é o esquecimento numero dois. Segundo Eni Orlandi (1999), “o esquecimento número dois, que é da ordem da enunciação: ao falarmos, o fazemos de uma maneira e não de outra, e, ao longo de nosso dizer, formam-se famílias parafrásticas que indicam que o dizer sempre podia ser outro”.

Vamos aqui retomar o que já referimos [...], a saber, que a análise se faz por etapas que correspondem à tomada em consideração de propriedades do discurso referidas a seu funcionamento, e vamos cotejar as etapas com os procedimentos que dão forma ao dispositivo. Na primeira etapa, o jornalista, no contato com o texto, procura ver nele sua discursividade e incidindo um primeiro lance de análise - de natureza lingüístico enunciativa - constrói um objeto discursivo em que já está considerado o esquecimento numero 2 (da instância da enunciação), desfazendo assim a ilusão de que aquilo que foi dito só poderia sê-lo daquela maneira. Desnaturaliza-se a relação palavra-coisa. Nesse momento da análise é fundamental o trabalho com as paráfrases, sinonímia, relação do dizer e não-dizer etc. (ORLANDI, 1999, p. 77)

O jornalista mostra as diferentes formas de se apresentar um discurso e verifica as relações entre sua composição e as relações formadas por um conjunto de idéias. Apresenta-se o esquecimento numero um, que também é chamado de esquecimento ideológico. Para Eni Orlandi (1999), [...] “ele é a instância do inconsciente e resulta do modo pelo qual somos afetados pela ideologia. Por esse esquecimento temos a ilusão de ser a origem do que dizemos quando, na realidade, retomamos sentidos pré-existentes”. Na Análise do Discurso verificam-se as relações multiformes das palavras, e leva-se em consideração aspectos históricos, lingüísticos, sociais e ideológicos.

Na segunda etapa, a partir do objeto discursivo, o analista vai incidir uma análise que procura relacionar as formações discursivas distintas – que podem ter-se delineado no jogo de sentidos observado pela análise do processo de significação (paráfrase, sinonímia etc.) – com a formação ideológica que rege essas relações. Aí é que ele atinge a constituição dos processos discursivos responsáveis pelos efeitos de sentidos produzidos naquele material simbólico, de cuja formulação o analista partiu. Desse modo é que temos dito que a historicidade deve ser compreendida em análise de discurso como aquilo que faz com que os sentidos sejam os mesmos e também que eles se transformem. (ORLANDI, 1999, p. 78).

Na matéria que a Folha publicou em cinco de abril, traz a manchete: “Promotor vê contradição entre pai e madrasta, e no subtítulo: Depoimentos sobre a morte de Isabella, 5, têm divergência na seqüência dos fatos, diz Francisco Taddei Cembranelli. Como de praxe no jornalismo, o lead traz as mesmas informações e a matéria diz, nas primeiras linhas que o promotor não explicou essas contradições. Aos poucos a matéria vai explicando tudo novamente e dizendo como foi que aconteceu o fato. Neste dia, o jornal enfatiza bastante as palavras do promotor como “Contradições existem”. “Alguns aspectos são obscuros”, e mais embaixo diz que segundo o promotor há relatos feitos pelo pai e pela madrasta de Isabela que não batem com informações fornecidas por testemunhas, e mostra entre aspas: “Nós não temos aí versões que se completam”. “São versões opostas, que se chocam”. Mais na frente mostra o porquê Cembranelli acha isso:

Nem mesmo quando eles [Alexandre e Ana Carolina] retornaram [ao apartamento] revelaram que havia sangue na entrada, perto da porta de ingresso. [O sangue] era visível a ponto de o delegado, quando fez o levantamento do local, ter notado chamado a polícia e o sangue foi colhido ali na hora. (FOLHA DE S. PAULO, 5. abril, 2008, p. C2).

Nas últimas linhas a Folha de S. Paulo afirma que o Ministério Público também encontrou versões contraditórias em relação ao que disseram as testemunhas, e apresenta a versão do promotor: “Tem versões do casal que não foram confirmadas e foram desmentidas por testemunhas. É por isso que acho a versão deles fantasiosa”. Na matéria tem um box que apresenta, segundo o jornal, as Inconstâncias no Depoimento do Casal - destaca o nome Madrasta, e diz que segundo o MP há contradições entre os depoimentos; Sangue - fala que o casal omitiu à policia o fato de haver sangue no apartamento, segundo o Ministério Público; Arrombamento - diz que segundo o MP, o pai afirmou aos policias que o ladrão tinha arrombado a porta do apartamento, e diz que não aconteceu isso, e que a versão não foi repetida pelo casal; e por último, relato - diz que o PM Luiz Carvalho disse a Folha que ouviu o pai dizer que uma pessoa entrou no apartamento e jogou a filha pela janela e logo em seguida diz que a promotoria informa que não consta nos autos. Por último e em espaço bem menor do que o resto da matéria, diz que o pai de Isabela apresenta lista de suspeitos, apresentando algumas falas do advogado do casal.

A Folha de S. Paulo mostra, na matéria inteira, muitos depoimentos de fontes com argumentos considerados negativos ao casal Nardoni. Primeiro começa pelo título que sintaticamente, a palavra “contradição” significa “ao contrário”, então se o promotor não vê coerente as versões apresentadas pelo casal, pode se dizer que nas relações sócio-históricas quando, em caso de justiça, acontecem desta forma, no final de todas as investigações, que as pessoas acusadas são culpadas, neste caso não é diferente.

Como naquele momento o casal ainda não tinha sido condenado definitivamente, e ainda hoje não foi aquele título poderia ser diferente, “Em Depoimento à polícia, Pai e Madrasta Falam de forma Diferente Um do Outro”, o fato de o pai e a madrasta da menina não falarem de forma igual à polícia, a impressão que se tem é muito diferente da usada originalmente, porque se eles falam diferente, quer dizer que não falaram exatamente igual, mas que ainda existe o que se investigar, enquanto em “contradição”, a impressão que se tem com a palavra é que já foi concluído o raciocínio daquele caso e não há mais nada a ser averiguado e pronto, como fala Eni Orlandi (1999) que “essa impressão, é que denomina ilusão referencial, nos faz acreditar que há uma relação direta entre o pensamento, a linguagem e o mundo, de tal modo que pensamos que o que dizemos só pode ser dito com aquelas palavras e não outras, que só pode ser assim”.

Ideologicamente a Folha de S. Paulo não têm motivos para querer mostrar que o casal é culpado, mas quem escreve a matéria, o faz também com base nas instituições sociais e ideológicas que naquele momento toda a mídia e população estavam acreditando na culpa do pai e madrasta, justamente pelo fato de como esta transmite, mas ainda assim o jornalista que escreveu a matéria sabe que não pode dar o assunto como certo porque ainda não foi julgado pela justiça, então ele encontra naquilo que suas próprias ideologias querem dizer, um refúgio que é muito utilizado no jornalismo: o segundo alguém disse. E assim ele dá forma à matéria de acordo com o que psicologicamente quer, mas acredita estar fazendo de forma transparente.
O mesmo acontece com o restante da matéria, quando o jornal mostra o promotor falando, por exemplo,

Nem mesmo quando eles [Alexandre e Ana Carolina] retornaram [ao apartamento] revelaram que havia sangue na entrada, perto da porta de ingresso. [O sangue] era visível a ponto de o delegado, quando fez o levantamento do local, ter notado chamado a polícia e o sangue foi colhido ali na hora. (FOLHA DE S. PAULO, 5. abril, 2008, p. C2).

O jornal por si só já explica e interpreta as palavras através de cochetes, mas o que deve ser analisado nas palavras do promotor é quando ele fala “nem mesmo”, o “nem” está subjetivamente significando negação a algo, e “mesmo” enfatiza o que está sendo dito, e logo em seguida se junta a “revelaram” que ao vir depois de nem mesmo tem se a idéia que existe algo que eles não revelaram antes e que neste momento também não revelaram o sangue, ou seja, eles nem revelaram que mataram a menina e nem mesmo que havia sangue no chão? “Os dizeres não são como dissemos, apenas mensagens a serem decodificadas. São efeitos de sentidos que são produzidos em condições determinadas e que estão de alguma forma presentes no modo em que se diz” [...] Eni Orlandi (1999).

Outra parte que chama a atenção na matéria é quando o jornal mostra na matéria de 5 de abril, página C2 “Tem versões do casal que não foram confirmadas e foram desmentidas por testemunhas. É por isso que acho a versão deles é fantasiosa”. Folha de S. Paulo (2008).
O uso desta declaração é apelativa. Nem tudo que a fonte diz deve ser mostrado por um veículo de comunicação. Aliás, as informações colhidas da fontes devem ser filtradas antes de transmitidas.

A palavra “desmentida” significa declarar que são falsas as informações de alguém, Aurélio (2009), logo se o casal apresentou informações falsas que é o inverso de verdadeiras, estão mentindo e se são mentirosos foram eles que realmente cometeram o crime? Logo esta construção semântica poderia ter sido diferente. No lugar de “desmentidas”, poderia ter sido “igual” isto é, “e não foram iguais aos das testemunhas”, logo, se não foram iguais, foram diferentes e, portanto, a impressão que se tem é que a polícia tentará descobrir em que foram diferentes.

Em 17 de abril, a Folha de S. Paulo publicou como título da matéria do caso Isabella a frase “Mãe de Isabella acredita que o casal é culpado”. Por que será que os jornalistas André Karamente e Kleber Thomaz escolheram esse título para a capa do jornal? Em um momento de investigações e acusações não cabe à população saber o que a mãe de Isabella acredita ou não naquele momento tão inicial, pois a mãe de Isabella não tinha um bom relacionamento nem com o pai e nem com a madrasta da menina, como a própria Folha publicou, não poderia ela estar expondo suas mágoas e de alguma forma querendo fazer justiça neste momento tão delicado para o casal, utilizando os meios de comunicação para ajudá-la? Sim, poderia, mas o jornal publicou isto, porque naquele momento o que todos diziam e acreditavam era de que o casal cometeu o crime, então de forma inconsciente os jornalistas fizeram esta construção porque eles acreditavam que naquele momento só poderiam escrever ou falar daquela maneira ou que, por mais que eles não pudessem confirmar o que já era dado como certeza, pois jamais falaram que eles foram culpados sem utilizar o “segundo a polícia” ou “segundo o delegado”, eles faziam essas construções ideológicas da forma que induziram os leitores a achar que foram os dois.

Qualquer leitor conhecedor dos poderes de um veículo de comunicação poderia facilmente analisar essa reportagem desta maneira, porque durante todo o seu corpo apareciam motivos que mais faziam a mãe da menina de vítima do que o próprio casal que também poderia ser vítima e ainda não tinham sido condenados definitivamente. Assim parágrafos diziam:

Ana Carolina Cunha de Oliveira, 23, mãe de Isabela, disse à polícia acreditar que Alexandre Nardoni, 29, pai da menina, e Ana Carolina Trotta Peixoto Jatobá, 24, a madrasta, estão envolvidos diretamente no crime. A transcrição do seu depoimento perfaz seis páginas e apresenta a seguinte declaração: ”Na sua concepção acredita que Alexandre [Nardoni] e Anna Carolina possam estar de alguma forma diretamente envolvidos no que aconteceu”. (FOLHA DE S. PAULO, 17. abril, 2008, p. C1).

Logo em seguida, o jornal quer destacar que sua notícia foi importante e afirma: “A Folha revelou em sua edição de ontem que a polícia já decidiu indiciar Nardoni e Anna sob acusação de assassinato e que vai requisitar à justiça a prisão preventiva do casal”. Folha de S. Paulo (2008). Mas começa a mostrar tudo que o pai de Isabella fez de ruim durante o relacionamento com a mãe de sua filha ou durante o tempo em que eles estiveram juntos, e para chamar a atenção do leitor, o jornalista usa algumas palavras em negrito, o que também se configura espetáculo, pois somente as frases mais fortes são destacadas, o que não havia porque, se elas já estavam separadas em boxes.

Na segunda página de seu depoimento, a mãe de Isabella afirmou que Nardoni, quando a menina tinha um ano e quatro meses, ameaçou matar a ex-sogra, e que isso virou caso de polícia, registrado em uma delegacia da zona norte. Disse que “Isabella, após chegar das visitas feitas ao pai, por vezes apresentava mordidas e pequenas marcas arroxeadas”. Disse também que “em uma oportunidade á mãe de Alexandre comentou com ela que o neto Pietro havia beliscado Isabella e o pai, Alexandre, teria ficado irritado com o menino, ergueu o filho a certa altura e o soltou no ar, caindo ao chão”. Disse que, quando Isabella tinha um ano e quatro meses matriculou a menina na escola. Alexandre não queria e, quando soube, achou que era idéia da mãe de Ana Oliveira. O pai da menina foi à casa da sogra para discutir com ela. Ana Oliveira disse que quando chegou à sua casa, ele estava na porta. “(...) Estava transtornado, dizendo que ia resolver isso; (...) ele estava de moto; que saiu por alguns instantes e retornou, dizendo que estava armado e que iria matar a mãe” dela. (FOLHA DE S. PAULO, 17. abril, 2008, p. C1).

Na matéria de 14 de abril, a Folha de S. Paulo publica dados do diretor do instituto Hideaki Kawata, que fala:

A polícia diz que alguém tentou apagar manchas de sangue do apartamento do casal Alexandre Nardoni e Ana Carolina Trotta Jatobá, após a primeira perícia realizada no local pelo Instituto de Criminalística. O Instituto Médico Legal promete entregar a polícia até quarta-feira o laudo final sobre a causa da morte de Isabela. Segundo o diretor do instituto Hideaki Kawata, o documento não trará “grandes surpresas” em relação ao que já foi divulgado na mídia sobre o caso. (FOLHA DE S. PAULO, 14. abril, 2008, p. C3).

Mais uma vez, num momento tão inicial declarações como estas eram dadas e os repórteres as publicavam. Ora, se ele garante isso, praticamente já disse de forma indireta que o casal era culpado, porque era isso que a mídia divulgava também de forma indireta, mas todos entendiam e reproduziam aquelas informações como certas.

Na reportagem publicada pela Folha, em 19 de abril de 2008, no caderno Cotidiano, a manchete foi: “Multidão canta, acusa e pede linchamento”. Este título parece que a Folha de S. Paulo concorda com o que está acontecendo, comportamentos que não justificam a intenção dos manifestantes de linchar os acusados, uma vez que existe a Justiça para resolver assuntos como este. A Folha de S. Paulo simplesmente usou este acontecimento como título de destaque no jornal o que pôde ter incentivado novas pessoas a irem para a frente do prédio do casal, além de não respeitar o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, capítulo II, de 1987, Art. 7º, em que diz que o jornalista não pode usar o jornalismo para incitar a violência, a intolerância, o arbítrio e o crime. Entende-se por “incitação”, instigar, estimular de acordo com o dicionário Auréllio. Ainda que o jornal não esteja fazendo campanha para que as pessoas saiam de casa vá para a frente do prédio dos Nardoni, isso instiga, anima ou induz que algumas pessoas façam a mesma coisa, o que seria violência também.

O título poderia passar a mesma mensagem de que as pessoas estavam querendo solução daquele caso, mas não tinha necessidade de repetir exatamente o que as pessoas diziam ou queriam. O título ficaria melhor ética e tecnicamente se fosse “Multidão canta e pede justiça na morte da menina”; dessa forma o leitor entenderia que havia pessoas na frente do prédio, que aquelas pessoas não estavam satisfeitas, que apesar de estarem ali, queriam justiça. Não necessariamente precisaria utilizar apalavra “linchamento”, pois poderia ter sido perigoso, isto é, se outros leitores se identificassem com aquela situação, poderiam sair de suas casas e ir para a frente do prédio ou de alguma forma enfrentar a polícia e pegar o casal para fazer tal procedimento. Falar a verdade de um fato não quer dizer reproduzi-lo, mas, sim, divulgá-lo de forma ética e profissional sem correr o risco de causar desordem social.

Algo como cem profissionais da imprensa (entre repórteres, fotógrafos, cinegrafistas e pessoal técnico) acompanham a turma dos manifestantes. Tudo foi muito bem organizado pelo delegado Luiz Antônio Pinheiro, do GOE (Grupo de Operações Especiais) (FOLHA DE S. PAULO, 19. abril, 2008, p. C3).

No dia 16 de abril, a Folha de S. Paulo publicou uma matéria em que na manchete trouxe a frase: “Para polícia, mulher bateu e pai jogou Isabella”, e no subtítulo: “Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni serão indiciados sob acusação de que ambos assassinaram a menina”.
Ambos comprovam a espetacularização e superexposição do caso. O caso Isabella deveria, sim, ser apresentado à sociedade, mas não com todo esse destaque, uma vez que não se trata de uma descoberta, de algo novo. Todos os dias dezenas de crianças são assassinadas de forma similar ou não, e o desfecho ocorre normalmente sem a presença dos veículos de comunicação e da superexposição.

O jornalista que escreveu essa matéria, André Karamente, o fez dessa forma porque todos os veículos diziam direta ou indiretamente que o casal era culpado, sem ter o julgamento finalizado ainda, porque até o momento ainda cabiam vários recursos de defesa por parte dos advogados do casal. A edição da matéria acatou ou até mesmo elaborou esse título, mostrando uma sintonia com a tendência dos outros meios de comunicação. Com esse título “Para polícia, mulher bateu e pai jogou Isabella”, inconscientemente o jornalista já tinha ideologicamente a certeza de que os dois acusados realmente cometeram o crime, só não podia dizer de forma direta como “Mulher bateu e pai jogou Isabella”, como fez a revista Veja com o título “Foram eles”, porque ele sabia que no outro dia poderiam dar o casal como inocente, por isso que ele não fez dessa forma; mas quis mostrar que o casal era culpado, então construiu o texto de forma que conseguisse passar a mensagem do jeito que ele queria, mas falou, segundo a polícia, dizendo que ela deduzia isso. Mas não é porque a polícia diz que tem que ser publicado na íntegra ou tomar este dizer como verdade absoluta.

O efeito psicológico que esse título provoca no leitor é de que realmente o assunto já foi elucidado; o que de fato não aconteceu. O jornalista foi tendencioso na construção desse título.

Ao longo da matéria, existem trechos como: “Para a polícia o crime está totalmente esclarecido” e “Para os dois delegados responsáveis pela investigação, Isabella foi jogada do 6º andar do Edifício London por seu pai”. Se o crime já tinha sido esclarecido, por que demorou tanto para o casal ser condenado (até o momento não foi), pois ainda que a justiça demore a julgar os processos, devido ao seu grande número, naquele momento ainda era muito cedo para serem divulgados esses dados técnicos da polícia.

Não se trata de dizer que o casal Nardoni foi inocente ou culpado, mas de mostrar até que ponto algumas informações são relevantes ou não, assim como o cuidado na hora de apurar o que as fontes passam para os jornalistas, porque muitos deles as transmitem na íntegra, o que se torna um equivoco reproduzido por inúmeros profissionais. Ainda era cedo para tais conclusões, e um dado que comprova isso foi encontrado na própria matéria da Folha que disse: “Sem dar maiores detalhes, a mãe de Isabella disse que esta semana outras surpresas iriam aparecer com o encerramento do caso”, e logo em seguida diz que a mãe de Isabella não quis dizer se sabia de novas informações não divulgadas, e acrescenta “Mesmo que soubesse não ia dizer. Já falei que não vou falar nada sobre o crime até que a polícia conclua a investigação e diga exatamente o que aconteceu”. Ora, como é que acima, a matéria diz que para a polícia foram eles, que o crime já está totalmente esclarecido, e no mesmo momento jornal, no mesmo momento em que as coisas aconteciam, a mãe de Isabella fala isso? É fato que o jornal, para continuar a falar sobre o assunto, lançou muitas informações ao mesmo tempo, para dar destaque ao fato, o que se tornou confuso.

Logo ao lado, uma pequena matéria aparece com o título “Camiseta de Nardoni tem vestígios de náilon que podem ser da tela, diz polícia”, outra contradição, pois a palavra “pode”, significa possibilidade que por sua vez significa chances, que pode ou não pode ser do pai, então como o caso já está esclarecido se ainda há duvidas? Depois se percebe mais uma contradição quando diz “A pegada ao lado de um pingo de sangue na cama do quarto onde Isabella foi jogada pode ser de Anna Jatobá. Isso porque o calçado e a pegada são compatíveis”, existe outro “pode”, então o crime ainda não tinha sido totalmente esclarecido, e o jornalista deveria apurar melhor as informações. Mas o jornal publicou.

3 O USO DO JORNALISMO CIENTÍFICO PELA FOLHA

Ao realizar a análise do discurso da cobertura jornalística sobre o caso Isabella Nardoni, pelo jornal Folha de S. Paulo, constatou-se que foi utilizado o jornalismo científico, uma vez que suas matérias buscaram aprofundar as questões jurídicas envolvidas nessa cobertura para se descobrir um fato novo, isto é, quem cometeu o crime.
A importância de se fazer jornalismo científico no Brasil é um assunto muito discutido na academia, pois ao mesmo tempo em que alguns estudiosos defendem a importância de divulgar a Ciência & Tecnologia, outros falam que a formação cultural do povo brasileiro dificulta o interesse por assuntos como este.

Dizer que a ciência e a tecnologia são imprescindíveis ao desenvolvimento de um país parece hoje senso comum [...] O que nos importa aqui é tratar da necessidade de as pessoas, o maior número possível delas dentro de uma sociedade, terem acesso a informações cientificas. Em particular as que lhes afetam diretamente a vida, que têm feitos políticos, econômicos e sociais imperceptíveis às pessoas não informadas. (OLIVEIRA, 2002, p.11).

A sociedade brasileira mesmo com certa deficiência devido a sua formação cultural está cada vez mais evoluindo em diversas modalidades como saúde, estilo de vida e educação, logo está mais próxima de possuir maior interesse em se interessar nos assuntos da C&T. Outro fator é que não quer dizer que não exista uma parcela da população que não tenha interesse em assuntos como este justamente por existir a diversidade cultural.

Uma das questões que surgem com freqüência em discussões e debates sobre divulgação e jornalismo científico é precisamente a validade ou não de divulgar C&T. Esse questionamento não parte apenas de leigos ou pouco iniciados no assunto, mas com freqüência de jornalistas defensores da não-especialização e de cientistas-pesquisadores cépticos quando à capacidade de jornalistas ou demais comunicólogos de traduzir a linguagem científica para o público. Aliada à primeira questão surge a segunda: para quem divulgar C&T? Dúvida pertinente, dada a realidade sócio-econômica e cultural do país. (OLIVEIRA, 2002, p.11-12).

Saber discutir e opinar são de suma importância para a população que sem entendimento não sabe como participar das decisões que também lhes interessa afinal exercer a cidadania é conhecer as leis e saber como fazer suas aplicações, a partir do momento que um cidadão paga impostos, não somente por isso, mas ele tem o direito de participar das decisões dos assuntos públicos que deveriam ser acompanhados mais de perto, e, portanto, não é. A C&T é uma das formas de preparar o povo a saber e a entender a funcionalidade das instituições bem como estão e como devem ou deveriam funcionar. Ter acesso à educação, portanto, é fator primordial para o crescimento, de um modo geral, de uma sociedade. Se a educação fosse oferecida com maior compromisso as pessoas saberiam se dirigir melhor acerca dos assuntos que lhes cercam, assim não reproduziria de geração a geração que a justiça brasileira não funciona, pois com a maior participação social seriam maiores as chances de se chegar a um consenso. No caso Isabella Nardoni, devido ao destaque especial que foi apresentado a este fato, a justiça foi mais ágil e coagida pela sociedade no momento em que as pessoas gritavam em frente ao prédio do casal que queriam justiça.

Temos nesta exposição justificativa clara para afirmar que o acesso às informações sobre C&T é fundamental para o exercício pleno da cidadania e, portanto, para o estabelecimento de uma democracia participativa, na qual , na qual grande parte da população tenha condições de influir, com conhecimento em decisões e ações políticas ligadas a C&T. Entendemos que a formação de uma cultura científica, notadamente em sociedades emergentes como é o caso do Brasil, não é processo simples ou que se possa empreender em pouco tempo. No entanto, o acesso às informações sobre C&T como um dos mecanismos que pode contribuir de maneira efetiva para a formação de uma cultura científica deve ser facilitado ao grande público carente delas. (OLIVEIRA, 2002, p.13).

No caso Isabella Nardoni, a população acompanhou todos os dias na mídia o desfecho da história, mas os jornalistas também poderiam naquele momento apresentar fatos como aqueles que não tiveram o mesmo destaque devido às brechas que a lei oferece, e articularem uma possível reforma na Constituição Federal do Brasil. Se os jornalistas tivessem interesse sobre esse assunto estariam fazendo jus o jornalismo científico, que é o de auxiliar em novas descobertas da ciência para o bem comum social e a especialização nos diversos ramos da ciência, num momento como aquele que chamou tanto a atenção da população e poderia chamar ainda mais das autoridades em relação a esse assunto.

Com diz Fabíola de Oliveira (1997), “o novo profissional que incentivamos aqui deverá ter visão crítica e interpretativa da ciência, como já o fazem bons jornalistas nas áreas de política, economia, cultura e esportes, só para citar as mais tradicionais”.

O jornalismo científico de qualidade deve demonstrar que fazer C&T é, acima de tudo, atividade estritamente humana, com implicações diretas nas atividades sócio-econômicas e políticas de um país. Portanto, no mais alto interesse para o jornalismo e para a sociedade. A produção do conhecimento científico e o conseqüente desenvolvimento tecnológico estão presentes nas mais corriqueiras ações de nosso dia-a-dia. (OLIVEIRA, 2002, p.14-15).

A falta de educação proporciona atitudes como dizer que a justiça brasileira não funciona, o que é um equívoco, pois o que se observa é que nas leis existem brechas que permitem a combinação com outras leis que fazem muitas vezes uma infração se tornar impune. Às vezes um crime é divulgado pela mídia e ao tomar esse exemplo, passa-se a impressão que a impunidade é uma constante. O que ocorre é que quando os veículos de comunicação transmitem essas informações, a justiça leva em consideração e sabe como não permitir as brechas que a lei oferece para justamente dar uma resposta à sociedade que cobra solução e a justiça não quer que sua imagem seja associada como uma instituição sem credibilidade. Neste momento, além de divulgar o desenrolar do crime, caberia também ser discutidas a reformulação da Constituição Federal, se comparado o crime de Isabella Nardoni com outros similares que se diferenciam apenas por terem acontecido em regiões mais pobres, o que não é destacado pela mídia como em um bairro nobre e com a filha de um advogado, como foi o exemplo de Isabella.

A mais perversa conseqüência da falta de educação e de informação é a incapacidade de poder opinar ou decidir sobre coisas que podem afetar a vida individual, comunitária e até de toda uma nação. Mas, novamente, para exercer este direito de todo cidadão, é preciso estar bem informado. O jornalismo científico pode entrar em cena como agente facilitador na construção da cidadania. (OLIVEIRA, 2002, p. 15).

Mesmo com grandes diferenças entre o jornalismo e a ciência, ainda assim existem pontos em comuns que ambos trazem como de fundamental importância quando diz respeito à informação: tanto um quanto o outro trabalham em cima daquilo que é novo, de fundamental interesse social, para o conhecimento humano. Quando o jornalista busca informar sobre um novo assunto, uma nova ciência, ele passa a ser um cientista social, trabalha para um determinado público-alvo, ou não, pois existem temas que não necessariamente existe público-alvo, mas a sociedade inteira como é o caso de se fazer um estudo sobre a reforma na constituição de um país.
A produção do jornalista e a do cientista detêm aparentemente enormes diferenças de linguagem e de finalidade. Vejamos como. Enquanto o cientista produz trabalhos dirigidos para um grupo de leitores, específico, restrito e especializado, o jornalista almeja atingir o grande público. A redação do texto científico segue normas rígidas de padronização e normatização universais, além de ser mais árida, desprovida de atrativos. A escrita jornalística deve ser coloquial, amena, atraente, objetiva e simples. A produção de um trabalho científico é resultado não raro de anos de investigação. A jornalística, rápida e efêmera. O trabalho científico normalmente encontra amplos espaços para publicação nas revistas especializadas, permitindo linguagem prolixa, enquanto o texto jornalístico esbarra em espaços cada vez mais restritos, e portanto deve ser enxuto, sintético. (OLIVEIRA, 2009, p. 43).

Assim, ambos trabalham juntos quando a ciência precisa do jornalismo para auxiliar na sua divulgação, os jornalistas também precisam se especializar no determinado assunto o qual vai ser transmitido, para que ambos tenham o melhor possível de entendimento sobre aquele assunto. Quanto mais conhecedor for o profissional, maior o tamanho de sua contribuição como cientista. Neste caso entram as técnicas do jornalista para transmitir aquela informação utilizando a linguagem que, de acordo com seus conhecimentos, é a ideal para aquele tipo de público, então ele conseguirá chamar a atenção, a compreensão e despertar o interesse desse público para a notícia transmitida.

O casamento maior da ciência e do jornalismo se realiza quando a primeira, que busca conhecer a realidade por meio do entendimento da natureza das coisas, encontra no segundo fiel tradutor, isto é, jornalismo que usa a informação científica para interpretar o conhecimento da realidade. É claro que o jornalismo científico requer, no mínimo, além de bom conhecimento de técnicas de redação, considerável familiaridade com os procedimentos da pesquisa científica, conhecimentos de história da ciência, política científica e tecnológica, atualização constante sobre os avanços da ciência e contato permanentemente com as fontes, a chamada comunidade científica. O uso e o abuso da metalinguagem são excelente recurso para aproximar o público leigo das informações científicas. Quando as pessoas conseguem associar um princípio ou uma teoria científica alguma coisa que lhes é familiar, fica mais fácil a compreensão do assunto, e a comunicação científica torna-se eficaz. informação científica para interpretar o conhecimento da realidade. (OLIVEIRA, 2009, p. 43-44).

Quando se fala em jornalismo científico, fala-se na junção da ciência e do jornalismo. A primeira que é o estudo para se descobrir a verdade, para se chegar a uma resposta daquilo que ainda não tem; e o segundo, um profissional conhecedor das novas tecnologias da informação, dos mais variados aspectos sociais e que detém o conhecimento sobre os diversos assuntos de interesse público, assim quando se faz uma parceria entre as duas áreas, tem-se o jornalismo científico, aquele capaz de além de transmitir as notícias, pesquisa sobre assuntos de interesse público e social para que se traga uma contribuição para a humanidade. Mas não se restringe a apenas o estudo para se encontrar algo novo, pois aqueles que já encontraram e já fazem o uso daquela descoberta escrevendo para um determinado veículo de comunicação também é um jornalista cientista. O mesmo pode se dizer de profissionais que são especialistas e que contribuem com suas informações para um determinado jornal.

Outra coisa importante a ressaltar é que, ao contrário do que muitos pensam, o jornalismo não se restringe à cobertura de assuntos específicos de C&T, mas o conhecimento científico pode ser utilizado para melhor compreender qualquer aspecto, fato, ou acontecimento de interesse jornalístico. Assim, a informação científica pode estar presente em qualquer editoria: geral, de política, de economia e até de polícia e de esportes. A ciência ajuda a entender os fenômenos sociais e a interpretar as causas e conseqüências dos fatos de interesse jornalístico. (OLIVEIRA, 1999, p. 47).

Em se tratando do caso Isabela, foi verificado que a Folha de S. Paulo usou o jornalismo científico em diversas edições quando o jornal cobriu o crime. Primeiro para que o assassinato de Isabella tivesse um desfecho, foi preciso investigar, fazer perícia no local para ser comparado ao que os pais da menina estavam dizendo. Depois, como esse foi um assunto muito exposto na mídia e que na Folha não foi diferente, o uso do jornalismo para transmitir essas informações tornou-se necessário para que a população tivesse uma resposta àquele crime. Então quando a Folha de S. Paulo usou dados da perícia para elaborar suas matérias, ela fez o uso do jornalismo científico.

Vejamos o que diz a matéria abaixo:


Vestígios de sangue foram encontrados na maçaneta e dentro do carro Ford Ka do pai de Isabella, Alexandre Nardoni, por peritos do IC ( Instituto de Criminalística) da polícia civil. O material foi achado anteontem à noite depois de o delegado do caso, Calixto Calil Filho, do 9º Distrito Policial, requisitar nova perícia no veículo que Nardoni e sua mulher, Anna Carolina Jatobá, madrasta de Isabela, utilizaram momentos antes da morte da menina. Com o auxílio de reagentes químicos e um aparelho que emite uma potente luz -chamada luminol-, os peritos recolheram a substância. As amostras devem chegar hoje ao laboratório do instituto para análises mais precisas. O objetivo dos exames é saber de quem é o sangue. Somente com essa resposta a investigação saberá se ele pertence a Isabella, a seu pai, a madrasta ou a outra pessoa. Para decifrar isso, eles irão comparar o material genético da substância com amostras de sangue da vítima e do casal por meio de exame de DNA. A partir disso, a investigação policial terá mais elementos para interpretar o que possa ter ocorrido com a criança. Em depoimento à polícia, Nardoni declarou que usou o automóvel para ir com Isabella, Anna Carolina e os dois filhos que tem com ela a Guarulhos, e que depois voltou de lá, por volta das 23h30 e o estacionou na garagem do seu prédio, na zona norte da capital. As três crianças estariam dormindo. Em seguida, conta ele, subiu até o sexto andar com Isabella no colo a deixou no quarto dela. Depois, desceu para pegar a mulher e os outros dois filhos. Ao subir de novo –ainda segundo Nardoni-, às 23h50, não encontrou Isabella no quarto, viu sangue no corredor, a tela da janela do quarto dos irmão dela cortada, sangue na grade e no lençol. De cima, disse ter visto a menina caída no jardim. O resgate a encontrou com parada cardiorrespiratória. Nardoni afirma que alguém atirou sua filha da janela. Entretanto, após 12 depoimentos de testemunhas, amigos, parentes e funcionários do prédio já prestados na delegacia, nenhum diz ter visto outra pessoa entrar no local. O IC também busca saber de quem é o sangue no corredor, no lençol e na tela –o órgão acredita que a tela tenha sido cortada com uma tesoura. (KT) (FOLHA DE S. PAULO, 4. abril, 2008, p. C1).

Entrevistas com fontes especializadas também fazem parte do jornalismo científico, uma vez que ajudam na compreensão do assunto apresentado. No caso Isabella Nardoni, a Folha de S. Paulo fez uma entrevista com a historiadora e doutora em história social, Mary Del Priore, para entender as conseqüências sociais que o crime provocou. Na manchete o jornal diz: “Para historiadora, morte de Isabella é vista como sacrifício”. No subtítulo traz: “Ex-professora da USP, Mary Del Priore diz que noticiário sobre a menina causa comoção porque a morte na sociedade está “higienizada”, situação que foi rompida com o acaso”.

O fim dos rituais religiosos em torno da morte pode explicar a comoção causada pela morte de Isabella. A ”pequena hipótese” para explicar o fenômeno é da historiadora Mary Del Priore, ex-professora da USP e autora de 25 livros, entre os quais uma “História da Criança no Brasil”. “Numa sociedade em que Deus não está mais presente, é muito complicado entender um sacrifício dessa ordem”, diz, citando os casos de Isabella e de João Hélio. O destaque que a mídia dá ao caso Isabella, na visão da historiadora, resulta na mudança do papel da criança: “As pessoas têm menos filhos e concentram neles todas as suas esperanças. O filho é a identidade da família, é o que dá continuidade a uma linha de sangue, de nome. É um filharcado”. (FOLHA DE S. PAULO, 22. abril. 2008 p. C3).

Em seguida a Folha de S. Paulo continuou com uma entrevista mais explicativa e aprofundada sobre o assunto. A entrevista no jornal foi composta de 11 perguntas feitas com a professora.

3.1 O CASO ISABELLA: UM PRODUTO À VENDA
A partir do fim do século passado e a primeira metade deste, os profissionais de comunicação tiveram que se preparar culturalmente em relação a assuntos que dizem respeito a sua área de interesse para que pudessem responder às exigências de um mercado que se expandiria e que até hoje exige muita competência e profissionalismo.

A formação da grande indústria da informação cujo símbolo são as Agências de Notícias e as cadeias jornalísticas (fins do século passado e primeira metade deste), exige a profissionalização dos técnicos que processam esse produto. (MEDINA, 1988, p.19).

A verdade de uma notícia deve ser transmitida seguindo um critério de objetividade, ainda que seja uma verdade que o repórter que observa um fato utilize de sua percepção, e, conseqüentemente fuja um pouco às regras objetivas, este deve noticiar um fato fidedignamente ao máximo que puder, assim considera-se que há uma mensagem clara e concisa para que o leitor possa se informar tomando suas próprias conclusões, dentro do senso comum, a respeito daquilo que leu, sendo assim considera-se uma matéria objetiva.

A verdade de uma notícia, baluarte de um neoliberalismo (mercado livre de idéias) contemporâneo, se remete à fundamentação teórica da objetividade do acontecimento. Como diz Costalles, “o acontecimento é substantivo”. Mas ele também salienta que é transposto para uma mensagem, através dos sentidos. Como o repórter está sujeito a uma observação perceptiva pouco objetiva, a única solução teórica e pregar certos cuidados técnicos: “(...) a missão do repórter é captar a realidade objetiva com a maior amplitude e precisão possíveis, narrá-la com fidelidade, de tal forma que o leitor receba a mais cabal informação sobre o fato”. ¹² (MEDINA, 1988, p.20).

Na década de 40 estudiosos como Park e Lipmann já escreviam conceitos sobre notícias. Destes arcabouços teóricos pode-se concluir que a notícia possui um universo de construções, interpretações e técnicas que devem andar juntos para que se faça presente o seu propósito. A importância do repórter de somente se interessar pelo passado e pelo futuro é exatamente porque os acontecimentos tem implicações sobre a população que vão gerar outras implicações tanto para o presente quanto para o futuro que são conseqüências daquelas que aconteceram primeiro. O interesse noticioso se faz presente nesse processo de construção e interface entre notícia e população, uma vez que esta última lhe atribui, de acordo com suas características, interesse às notícias. Para se falar de um fato é necessário que se dê forma a ele através de uma série de aspectos que lhes ajudarão a consumar este fato, assim enquanto estes aspectos não são suficientes ou compreensíveis a ponto de tornar o fato consumado, este se torna subjetivo, isto é, cabendo diversas interpretações. Assim, o caso Isabella gerou uma série de interpretações durante sua apuração, justamente por não ter ainda sido elucidado, pois foi fato que Isabella foi assassinada, mas não foi fato que foram o pai e a madrasta, porque eles ainda estavam sendo investigados.

O repórter procura registrar cada acontecimento isolado, à proporção que ocorre, e só se interessa pelo passado e pelo futuro na medida em que estes projetam luz sobre o real e o presente.” Publicada e reconhecida a sua significação, o que era notícia se transforma em História. A relação público/notícia é configurada neste princípio – “todo público tem seu próprio universo de discurso e um fato só é fato em algum universo de discurso”. A manutenção de um fato para que se torne notícia (que os compêndios técnicos deixam no ar) é esboçada neste trecho de Lippmann: “Cumpre que haja uma manifestação qualquer. O curso dos acontecimentos precisa assumir certa forma definível e, enquanto não atingir a fase em que alguns de seus aspectos é fato consumado, não se extrema a notícia do oceano de verdades possíveis.”¹⁸ (MEDINA, 1988, p. 21-22).

A técnica de se fazer notícia, além de ter o compromisso social de informação, também se faz seguindo diversas outras vertentes como no caso Isabella, por exemplo. A Folha de S. Paulo utilizou sua cobertura desta forma. Além de ter que noticiar por se tratar de um fato agendado pela mídia, de ser um fato com critérios a ser noticiado e de também exercer sua função de empresa capitalista, o jornal construiu o caso Isabella Nardoni de forma que seu público se prendesse naquelas linhas e despertasse o interesse e especulações para a leitura das próximas edições.

Há uma distância considerável entre a teoria provinda de uma descrição da técnica de informação jornalística, ou dos próprios meios como a obra de Luka Brajnovic, Tecnologia da Informação, e a discussão e investigações críticas que estão acima referidas. Há muita certeza num postulado como o de Brajnovic: “A informação é o conjunto de formas, condições e atuações para fazer públicos – contínua ou periodicamente – os elementos do saber, de fato, de acontecimentos, de especulações, de ações e projetos, tudo isso mediante uma técnica especial feita com este fim e utilizando os meios de transmissão ou comunicação social. Esta técnica especial pode ser a técnica jornalística, que necessariamente utiliza instrumentos próprios para que a informação – conseguida e formada por esta técnica – se faça pública. O conjunto destes instrumentos é o que chamamos Tecnologia da Informação.” ¹⁹(MEDINA, 1988, p.22).

Falar da massa, e, aqui, especialmente aquela que lê a Folha de S. Paulo, se faz presente também como importante instrumento de consumo pelos produtos dos veículos de comunicação de massa no momento em que servem de público e consumidores daquele produto que se não os tivessem não teriam tal amplitude. A Escola de Frankfurt, de origem européia, trouxe grande contribuição em relação ao conhecimento da cultura de massa quando dois importantes estudiosos lançaram grandes reflexões ligadas à teoria do conhecimento.

A seguinte contribuição européia (Escola de Frankfurt), em oposição ao pragmatismo da pesquisa norte-americana centralizou-se numa reflexão global muito ligada à teoria do conhecimento. Benjamin, Adorno e Horkheimer estão nas raízes de uma Sociologia da cultura de massa. Nela Vamos, finalmente, encontrar elementos para situar a mensagem jornalística no seu quadro amplo de referência. (MEDINA, 1988, p. 26-27).

A Indústria Cultural se faz presente quando uma classe dominante cria produtos para que sejam consumidos pela massa, isto é, esse produtos são entregues moldados seguindo interesses de quem os constrói. Assim a massa passa a ser manipulada ao consumir os produtos pré-determinados. Isso acontece justamente por esta não ser organizada o que dificulta o consenso e conseqüentemente o conhecimento.
Adorno nos joga uma visão apocalíptica da cultura de massa e dá origem a um grupo de intelectuais que vêem, nesse monstro tecnológico, a ameaça de uma cultura autêntica, nascida ou da criação artística ou da cultura popular. “Em todos os seus ramos fazem-se, mais ou menos segundo um plano, produtos adaptados ao consumo das massas e que em grande medida determinam esse consumo.” ³³ (MEDINA, 1988, p.27).

A indústria cultural exerce função de produzir produtos para ser consumidos pela massa, assim ela reforça e transmite a incapacidade da massa para a própria massa quando ela não fabrica produtos que levam ao conhecimento intelectual considerado pelos estudiosos como importante, mas, sim, a diversão e distração. Estes produtos não oferecem a oportunidade de uma reflexão necessária para o seu entendimento devido a rapidez como estes acontecem. Os leitores da Folha de S. Paulo não compreendem, com exceção, os universos que formam todo aquele corpo formado de profissionais, técnicos, ideologias e propósitos que formam e construíram aquelas notícias, dessa forma alimentavam o jornal de expectativas e especulações a respeito do caso Isabella. É a indústria da notícia fazendo espetáculo da informação para ser consumida.

Adorno vê na indústria cultural (e este conceito entra cada vez mais na pauta teórica depois dele) toda a carga negativa de uma engrenagem a serviço do sistema, impermeável a mutações dinâmicas: “A indústria cultural abusa da consideração com relação às massas para reiterar, firmar e reforçar a mentalidade destas, que toma como dada a priori, e imutável. É excluído tudo pelo que essa atitude poderia ser transformada. As massas não são a medida, mas a ideologia da indústria cultural, ainda que esta última não possa existir sem a elas se adaptar.” ³⁴ O domínio da “racionalidade técnica”, para Adorno uma outra forma de Iluminismo, é o domínio repressivo do próprio sistema social a que a indústria cultural serve.³⁵ “Para o consumidor, não há mais nada a classificar que o esquematismo da produção já não tenha antecipadamente classificado A atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural de hoje não tem necessidade de ser explicada em termos psicológicos. Os próprios produtos, desde o mais típico, o filme sonoro, paralisam aquelas faculdades pela sua própria constituição objetiva. Eles são feitos de modo que, se a sua apreensão adequada exige, por um lado, rapidez de percepção, capacidade de observação e competência específica, por outro lado, é feita de modo a vetar, de fato, a atividade mental do espectador, se ele não quiser perder os fatos que, rapidamente, se desenrolam à sua frente.” ³⁶ (MEDINA, 1988, p.27).

A falta de uma cultura coerente se explica pelo fato de a indústria cultural reprimir e sufocar a massa com seus inúmeros produtos que em alguns, como alguns filmes hollywoodianos, que Adorno e Horkheimer dizem que o divertimento se torna tensão ao próprio espectador.
Adorno e Horkheimer, vivendo a fase de apogeu do cinema de Hollywood, sentem violentamente a distância de uma cultura coerente [...] O produto cultural, nele se incluindo a mensagem jornalística, é uma arma certeira do sistema e os autores da Escola de Frankfurt não perdoam: “Quanto mais sólidas se tornam as posições da indústria cultural, tanto mais brutalmente este pode agir sobre as necessidades dos consumidores, produzi-las, guiá-las e discipliná-las, retirar-lhes até o divertimento.” Ao analisar a ideologia da cultura de massa, Adorno e Horkheimer denunciam a transposição (fotografia) da realidade em pura mentira, seu pseudo-significado não formulado explicitamente, mas sugerido e inculcado. “Na indústria cultural, o indivíduo é ilusório não só pela estandartização das técnicas de produção. Ele só é tolerado na medida em que sua identidade sem reservas com o universal permanece fora de contestação.” (MEDINA, 1988, p.27-28).

Os produtos da indústria da cultura enganam seus consumidores justamente por não serem de fato aquilo que parecem ser ou está produzido para parecer ser, pois tudo acontece de forma grandiosa, e justamente porque não poder se tornar realidade, o público se interessa e segue numa busca constante como se quisesse tornar possível tudo aquilo, é um comportamento característico da natureza humana.

3.2 A COMUNICAÇÃO E A LINGUAGEM PELA FOLHA
A linguagem, o pensamento e o trabalho são fatores importantes para a vida humana, é através da linguagem que se torna possível o entendimento entre um ser e o outro que junto com o pensamento fazem juntos uma organização de idéias para que seja possível o trabalho. O homem se diferencia dos outros animais justamente por que pensa e produz cultura para si próprio. A Folha de S. Paulo usou em suas matérias a linguagem coloquial, porém, formal, mantendo o dialeto da língua portuguesa. A mesma linguagem utilizada nos jornais da TV, como o Jornal Nacional, Jornal do SBT e Jornal da Record e revistas, como Veja e Isto É.

Linguagem, pensamento e trabalho: esta a trilogia que se manifesta na origem da sociedade humana. Na verdade, não estão aqui dispostos numa ordenação, já que os três interagem e são inseparáveis. De maneira simplificada, podemos dizer que o homem traçou uma linha divisória entre si e o mundo animal que se faz parte, no momento que começou a produzir ferramentas. É o trabalho humano, inseparável da consciência, do pensamento, que por sua vez, está geneticamente ligado à fala. (BACCEGA, 1998, p.16).

É através da linguagem que os homens se comunicam entre si para conseguir o entendimento necessário para satisfazer suas necessidades. Assim, de um modo geral, entende-se por linguagem a verbal e não verbal, isto é, a escrita, a fala, a mímica, os sons, os símbolos e os sinais, como os de transito, por exemplo.

Segundo Rossi-Landi, “a linguagem e as línguas, com o seu produto, formam-se na dialética da satisfação das necessidades, isto é, no processo em que se instituem as relações de trabalho e de produção; a própria linguagem é um trabalho e as línguas surgem como objetivação necessária desse trabalho”³. E completa: “a linguagem não responde à necessidade do indivíduo a não ser que antes responda às necessidades de toda a comunidade”. (BACCEGA, 1998, p.16-17).

A linguagem é abrangente e, portanto, não consiste apenas da linguagem culta que se aprende com as instituições sociais como escola, família e religião, mas sim de um modo geral, porque ela é usada para o entendimento, pois o emissor transmite ao receptor que decodifica e assim acontece o processo de comunicação. Onde há linguagem, há comunicação. Na Folha, por exemplo, as fontes falaram utilizando a norma culta da língua portuguesa por se tratar de autoridades, como delegados, advogados ou os familiares de ambos os acusados que conhecem como usá-la, mas se outra fonte falasse palavrões, o jornal poderia publicar, porém, apresentando às técnicas como aspas ou parênteses.

A atividade lingüística não consiste simplesmente em “etiquetar” a realidade. O valor dos “objetos”, das ações é atribuído pela sociedade e circula no universo lingüístico. As possibilidades de nossa interação com eles existem, portanto, dentro desse universo, já que só podemos tomar consciência dessas relações na medida em que significam e elas significam apenas por meio da linguagem. O uso da linguagem, sobretudo a verbal, está sempre determinado pelas condições reais em que o diálogo de efetiva. Toda palavra dirige-se a um interlocutor, presente ou ausente, o outro ou o próprio outro de quem fala. “Eu não sou eu e nem o outro, sou qualquer coisa de intermédio”, diz o poeta Mário de Sá Carneiro. (BACCEGA, 1998, p.20-21).

Devido às diversas vertentes que se criou na forma de fazer linguagem e a diversidade cultural, nem sempre a comunicação funciona como deveria. Quando isso acontece, dá-se o nome de “falta de comunicação”.

A escolha dos fatos da realidade, sua ordenação e a instituição de um universo outro onde eles circularão, que são características do discurso literário, revelam a importância do indivíduo/sujeito. Por isso um pronome caro ao discurso literário é o eu. Trata-se de pronome de sentido sempre renovado – tanto quanto se renova o indivíduo/sujeito – que, ao chegar ao interlocutor, se cruzará com o sentido do eu que caracteriza esse outro. (BACCEGA, 1998, p.39).

Para Baccega (1998), “embora estejam ambos, no mesmo código, locutor e interlocutor, eles poderão estar em formações discursivas diversas ou, ainda que numa mesma formação discursiva, poderão ter interpretações diferentes”.

4 ANALISE DOS LEADS DA COBERTURA NO CASO ISABELLA NARDONI

Para Felipe Pena (2007), “o lead (ou lide) nada mais é do que o relato sintético de acontecimento logo no começo do texto, respondendo às perguntas básicas do leitor: o que, quem, como, onde, quando e por quê”.
Algumas variações de leads foram criadas ao longo do desenvolvimento do jornalismo, isto é, com o passar do tempo percebeu-se a necessidade de chamar atenção dos leitos de alguma forma, a informação era importante, mas os donos dos jornais perceberam que também precisariam continuar a vender os jornais. Outros jornais entravam em circulação no mercado e novas descobertas teriam que ser aplicadas a partir daquele momento. Foi então quando estudiosos na área de jornalismo desenvolveram o lead, que não se resume a apenas um, existem os leads:

Clássico é o mais comum e o primeiro que se aprende em jornalismo. É ele que apresenta aquelas seis perguntas, quem, o que, quando, onde, como e por quê? Justamente por ser considerado o lead padrão e principal que ele é o mais comum e mais utilizado pelos jornalistas. Nas reportagens da Folha de S. Paulo, uma delas que trouxe a resposta do lead clássico foi a de 31 de março, de 2008, página C7 que diz: “A menina Isabella Oliveira Nardoni, 5, morreu na noite de anteontem após cair do sexto andar de um prédio de classe média na região do Carandiru, na zona norte de São Paulo. A polícia trabalha com a hipótese de homicídio”. Neste caso as respostas das seis perguntas são: quem? A menina Isabella Oliveira Nardoni, 5; o que? Morreu; quando? Na noite de anteontem; como? após cair do sexto andar de um prédio de classe média; Onde? Na região do Carandiru, na zona norte de São Paulo; por quê? A polícia trabalha com a hipótese de homicídio. Neste caso o por que ela morreu é porque ela foi assassinada.

Clássico: que apresenta todos os elementos essenciais, mas sem preocupação com a hierarquização dos dados entre si, de modo a envolver o destinatário. Há muitos e bons jornalistas que passam a vida usando apenas esse. Entretanto, como produto de consumo, tal limitação além de atender monotonamente ás expectativas dos destinatários, reflete a acomodação do autor. (PENA, 2007, p. 44).

O lead de citação, assim como os outros leads, prende a atenção do leitor, porém torna-se forte porque ao fazer uma citação, o leitor despertará curiosidade em ler até o final, pois o autor daquela citação é quem está expressando aquelas palavras, assim depende da construção e da forma que o jornalista elabora, porque o leitor vai se envolver com aquela situação e vai continuar a ler aquela matéria até o final. Alguns jornais, como O Diário de S. Paulo, por exemplo, fizeram isso com o caso Isabela. No lead usaram aquelas palavras que os vizinhos disseram ouvir da menina, “Para, pai! Para, pai”! No momento em que aconteceu o crime. Ele também foi utilizado pela Folha nas suas reportagens. Esse exemplo abaixo foi encontrado na edição de 29 de abril, 2008, p. C3: “Meio ridículo”. “Foi assim que o advogado Antônio Nardoni, avô paterno de Isabella, classificou as cenas a que assistiu pela TV da simulação do assassinato da menina feita ontem pela polícia”.

De Citação: é iniciado com a transcrição de uma fala ou depoimento expressivos de um personagem da história a ser relatada, seguida dos demais elementos constitutivos. Exemplo: “Saio da Vida para entrar na História. Com esta expressão o presidente Getúlio Vargas registrou num bilhete suas esperanças de ajudas o país com seu suicídio, no Palácio do catete, com um tiro fatal no peito esquerdo ontem...” (PENA, 2007, p.44).

Ao iniciar o texto com o elemento “como”, o autor já está contando como aconteceu aquele fato para depois usar os outros elementos, quem, o que, onde, e por que. Ao fazer desta forma, o jornalista apenas não segue a ordem das cinco perguntas, porque ele já antecipa o “como”. Mas a depender do fato a ser noticiado, o lead deve ser construído pelo jornalista de acordo com as necessidades de como ele quer abordar aquele fato. A reportagem da Folha de 6 de abril de 2008, p. C5, tráz esse exemplo: “Foi o vestibular de direito, mais precisamente o das Faculdades Integradas de Guarulhos (na Grande São Paulo), que cruzou as vidas de Alexandre Alves Nardoni, 29, e Anna Carolina Peixoto Jatobá, 24”.

Circunstancial: o texto é aberto pela apresentação do elemento “como” ou circunstância, tão original que justifique a prioridade de iniciar o discurso. Exemplo: “Vascaíno desde criança, Vanderlei de Oliveira se surpreendeu, ontem, ao levar a esposa para o Maracanã. Em plena torcida do seu clube, quase foi linchado ao proteger a mulher, que inevitavelmente se levantou e vibrou com o gol do Flamengo, no primeiro tempo da partida... na Delegacia de Polícia ela apresentou queixa contra o marido...”. (PENA, 2007, p. 44).

Quando a matéria usa uma linguagem mais informal, sem a necessidade de fazer uma construção totalmente clássica. Os jornalistas podem usar esse tipo de lead para deixar a matéria mais leve ou até mesmo para ironizar determinadas situações ou pessoas, utilizando chavões que são comuns na linguagem popular. Na Folha não foi encontrado esse exemplo, até mesmo pelo tema do assunto que estava sendo abordado.

Clichê: um ditado ou chavão inicia a matéria, desde que associado aos fatos que serão apresentados a seguir, no restante da matéria; não deve ser confundido com o lide “de citação”, que só apresenta expressões usadas por um agente do fato apurado. Exemplo: “Filho de peixe, peixinho é. O jornalista Gustavo Loio – filho da ex-campeã brasileira Vera Loio e colunista deste jornal - ganhou o título do I torneio Sênior de Tênis na categoria ‘profissionais de jornalismo’, ao derrotar o subeditor e professor José Laranjo, por 2 X 1, na partida final, ontem, no Clube Novo Rio.” (PENA, 2007, p. 45).

O autor, no lead conceitual, escreve-o com um enfoque que chama atenção de quem começa a ler a matéria. Ele apresenta bem a importância que o dicionário tem para os jovens, mas pelo fato de já escrever o conceito de uma das palavras, o leitor teve que ler todo o lead para conseguir entender o contexto da matéria, pois provavelmente na reportagem deveria ter uma fotografia de um dicionário e com certeza da forma como começou o lead logo desperta a atenção para lê-lo todo. Veja o exemplo da Folha no dia 21 de abril de 2008, p. C5: “O casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, pai e madrasta da menina Isabella, “sente muito medo de sair de casa”, “afirmou o avô da menina, Antônio Nardoni, em entrevista ontem à tarde”.

Conceitual – é aquele lide que emprega uma idéia, uma definição, para atrair o destinatário da notícia pela novidade ou enfoque diferenciado que o conceito traz; costuma ser utilizado em matérias que abordam exatamente a notícia daquela nova acepção. Exemplo: “’Garanhão é nome de cavalo destinado à reprodução e apelido aplicado a indivíduos que têm na atividade sexual performance acima da média.’ Esse é um exemplo de como são trabalhados os verbetes do novo dicionário lançado, ontem, pelas professoras Soraia Wenegas e Margot Barcia, produzido pela Jardiel Editores. Com 912 páginas, o Dicionário do pensamento popular destina-se ao público jovem e pode ser encontrado nas bancas de revistas, ao preço de R$ 99,00. Dispõe de um estudo sobre as raízes gregas do nosso vocabulário, de autoria da expert Thereza Bonente.” (PENA, 2007, p. 45).

Ao perceber a cronologia dos acontecimentos, o jornalista então escreve o lead desta forma, do fato mais antigo ao mais novo. Assim o leitor já conhecendo os fatos antigos, despertará a curiosidade de continuar lendo sobre aquele assunto até chegar ao mais atual.
Como diz a Folha de 22 de abril de 2008, p. C3: "Massataka Ota, pai de Ives Ota, assassinado aos oito anos [...] disse que Ana Carolina achou uma “Falsidade” a entrevista dada pelo casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá anteontem ao Fantástico”. O título desse lead foi “Falsidade”

Cronológico: o jornalista monta os dados na seqüência em que ocorreram os fatos, isto é, do mais remoto ao mais novo, em razão do impacto dessa articulação. Naturalmente, só deve ser adotado quando o jornalista percebe a força narrativa da ordem natural dos fatos. De forma bem explícita, esse lide depende expressamente de um título (talvez ajudado por um subtítulo) que trabalhe de modo mais imediato o clímax dos acontecimentos. (PENA, 2007, p. 45).

A partir do momento que o leitor se sente mais próximo de um determinado fato, ele fica preso a ele porque são assuntos de seu interesse. Quando ele percebe o “você”, como é o propósito deste lead num texto, ele logo pensa que pode ser algo que irá lhe beneficiar e que aquela informação é pode ser importante para ele.

Já sobre o lead de contraste, Felipe Pena (2008) diz que “o texto é iniciado por proposição ou pensamento relativamente vagos e que, na essência, contrastem com o “clima” da informação da notícia. Exemplo: a notícia sobre a deflagração da guerra, iniciada por uma frase sobre a paz”. Exemplo que não foi encontrado nas reportagens da Folha de S. Paulo na cobertura do Caso Isabella.

De apelo direto: procura envolver diretamente o leitor, ouvinte ou espectador, focalizando um aspecto do fato que tenha muita possibilidade de interessá-lo. Um traço bem singular desse lide é o tratamento individualizado com que parece abordar o leitor, chamando-o de “você”. Um breve exemplo: “Você que vai votar amanhã, siga o conselho do presidente do Tribunal Eleitoral, dr. João Marcelo Assafim: leve seus documentos de identificação pessoal...” (PENA, 2007, p. 45).

O caso Isabella não teve nenhum lead com esse exemplo, mas em outras partes de matérias publicadas foram destacadas fotos de pessoas em passeata pedindo com cartazes pedindo paz que foram publicadas destacando a palavra paz desses cartazes.

De contraste: O texto é iniciado por proposição ou pensamento relativamente vagos e que, na essência, contrastem com o “clima” da informação da notícia. Exemplo: a notícia sobre a deflagração da guerra, iniciada por uma frase sobre a paz. (PENA, 2007, p. 46).

Para exemplificar o lead descritivo, foi escolhida uma matéria publicada no dia 28 de abril de 2008, p. C, que diz: “Foi só os pezinhos da boneca representando a menina Isabella Nardoni aparecerem na janela do apartamento 62 do Edifico London e calaram-se os cerca de 150 jornalistas, técnicos e cinegrafistas que acompanhavam ontem desde as primeiras horas” [...], descrevendo a simulação do crime.

Descritivo: abre o texto com a reconstituição do cenário onde estão os personagens da história a ser narrada. Trata-se de um claro esforço de “pegar” o leitor pelo sentido visual, alimentando-o de estímulos a que praticamente todo o mundo ocidental – pelo menos- está atrelado no exercício da percepção. (PENA, 2007, p. 46).

O lead de enumeração é construído, citando alguns dados que fizeram parte daquele fato e depois é explicado o motivo deles estarem ali, como mostra o exemplo, pode ser tudo que aconteceu naquele momento, mas claro, de acordo com os critérios de noticiabilidade, porque existem dados que não fazem parte de uma matéria e, por isso, não devem ser citados. Não foram encontrados exemplos de leads de enumeração nas reportagens da Folha, do mês de março e abril que foram analisadas.

De enumeração: uma lista ou seqüencia de condições, hipóteses ou conseqüências (que tenham peso no acontecimento a ser relatado) inicia a matéria, assim, abruptamente. Muitas vezes os autores usam sinais típicos de listagem, como a seqüência: a), b), c). Em outras circunstâncias o discurso é mais sutil: “Coroas de flores, rostos tristes e muitas lágrimas sinalizavam a dor dos fãs de Ayrton Senna que foram se despedir do herói brasileiro enterrado ontem”. (PENA, 2007, p. 46).

Ao mesmo tempo em que se cria suspense, o lead dramático tem como característica, ser exagerado naquilo que está sendo mostrado, ele lembra muito o estilo de matéria nariz de cera, em que se contam os detalhes para depois chegar ao assunto em destaque. Mas as reportagens da Folha de S. Paulo analisadas não apresentaram esse exemplo.

Dramático: tem o estilo de conto; cria suspense para um desfecho inesperado que virá, usualmente, no sublide. Um pequeno exemplo talvez seja esclarecedor: “Adilson Fabiano era um operário invejado. Todos os dias, na cantina da fábrica, o abrir de sua marmita era cercado de expectativa pelos colegas que não conseguiam disfarçar um misto de inveja e admiração. A refeição recendia no ambiente todo. Ontem foi diferente: ao abrir a marmita sob o olhar atento dos colegas, Adilson deparou-se com uma cueca suja de batom, um revólver e um bilhete singelo: - Si tu é macho infia (sic) uma bala nos teu (sic) corno, traíra... Assinado: Lia.” (PENA, 2007, p. 46).

Como o próprio nome já diz, o lead interrogativo se apresenta em forma de pergunta, o que causa curiosidade do leitor em ler a matéria, porque ele vai querer saber a resposta daquela pergunta. Apesar da possibilidade de se construir um lead perguntando: Será Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá os assassinos de Isabella? Não foi dessa forma que aconteceu. O lead interrogativo construído pela Folha foi: “Autônomo”. “Mas o que o senhor faz para viver?” “Eeeee... Sou carroceiro”. “David Rogério Caminha, 36, é o homem de voz possante e hálito alcoólico que, diante do 9º DP, puxa o coro de cerca de 200 vozes que protestam [...]”.

Interrogativo: uma questão perturbadora e sem solução imediata abre a matéria. É preciso que trate de algo de algo que remeta o receptor para a instância da curiosidade, pois o questionamento rotineiro desinteressaria o receptor. Exemplo: “Sambista loura, de olhos azuis e pele européia, pode representar o Brasil no Festival Internacional do Carnaval, em Veneza? Pois essa é a descrição da passista da Beija-Flor Thuanne Corrêa, que venceu, nesta madrugada, o concurso para a indicação da sambista que representaria o destaque como Porta-Bandeira da Escola. (PENA, 2007, p. 46).

O lead rememorativo de diferencia do “cronológico” justamente porque o segundo é maior, pois conta o fato do mais antigo até chegar ao atual que se quer apresentar e o primeiro não é muito diferente, mas não deve ser confundido porque cada um tem sua própria característica e é diferente do outro. Neste caso o “rememorativo” é construído de forma mais ágil e resumidamente. A Folha não escreveu matérias com esse lead.

Rememorativo: cobrindo um acontecimento mais duradouro, dados mais antigos dão início ao texto, antecedendo à apresentação dos elementos mais recentes, atuais. Não confundir com “cronológico”, pois aquele ocupa toda a extensão do primeiro parágrafo com a seqüência dos fatos mais antigos para os mais novos; aqui, refere-se a algo mais ágil, como um curto período (de 150 toques, por exemplo) que resume os dados anteriores, seguido dos elementos mais atuais. Exemplo: “O incêndio que há cinco dias consome a Floresta da Tijuca avançou ontem sobre a Escola Municipal e o Museu do Açude, destruindo parcialmente...” (PENA, 2007, p. 47).

É como se ele não quisesse tirar a expectativa do leitor ao dar aquela notícia, porque ele diz que apesar de “A’ fazer um bom trabalho, foi “B” quem conquistou o que A merecia, isto é, o leitor quando começa a ler acredita rapidamente que ele será recompensado ou que alguma oportunidade boa virá em conseqüência disso, mas depois a frase não corresponde a essa expectativa e fala justamente o que não era esperado. Como diz a Folha na reportagem de 12 de abril de 2008, p. C1: “Menos de 48 horas após a polícia afirmar que o assassino da menina Isabella Nardoni, 5, estava 70% esclarecido, pai e a madrasta da menina foram libertados por ordem judicial”.

Adversativo: é caracterizado por iniciar, geralmente, com um advérbio que faz menção a uma expectativa não realizada; freqüentemente é empregado o clássico “apesar de” e a ressalva que o justifique; em seguida são apresentados os demais dados essenciais que irão constituir o lide. Exemplo: “apesar da expectativa de classificação para os Jogos Pan-americanos, em razão dos seus títulos mais recentes, o halterofilista Joel Farias foi afastado, ontem, da delegação brasileira após a divulgação dos resultados de exame antidoping pela Federação...”. (PENA, 2007, p. 47).

O lead explicativo informa ao leitor o motivo que levou aquela situação a acontecer. Ao falar do fato, ele diz que em razão de um fato aconteceu outro fato, então o leitor previamente já sabe o que virá pela frente, pois já tem uma noção de que quando acontece algo como foi citado, normalmente terá um mesmo desdobramento que outro parecido que ele já tomou conhecimento antes. Esse exemplo foi publicado na Folha de 22 de abril de 2008, p. C3: “Os gritos de uma criança ouvidos na noite em que Isabella Nardoni foi assassinada podem ser, para a polícia de São Paulo, do irmão de três anos da menina”. Ou seja, foram os gritos de uma criança na noite do crime que justificam para a polícia a possibilidade de ser do irmão de três anos.

Explicativo: uma espécie de “justificativa” abre o lide; ela tem a função de explicar em contexto se fez algo ou é possível entender um fato ou um pronunciamento. Tem função quase didática em relação ao público alvo. Exemplo: “Em razão dos sucessivos crimes contra taxistas na cidade, o Diretor Geral de Trânsito, Abel Ledesma, divulgou ontem o Plano de Serviços de Circulação Motorizada que prevê a obrigatoriedade da instalação de rádio-escuta em cada táxi do município...”. (PENA, 2007, p. 47).

O lead Apelativo não foi encontrado em nenhuma reportagem da Folha de S. Paulo, mas as matérias apresentaram aspectos de apelação, como palavras consideradas negativas ao casal, em negrito, ou títulos que levavam a população a pensar que o casal realmente era culpado, como na matéria do dia 17 de abril, 2008, página C1 que diz no título: “Mãe de Isabella acredita que casal é culpado”. O fato de dizer de forma ambígua os fatos, acontece quando o jornalista quer dizer algo que não tem certeza e, portanto, não pode dizer de forma direta. Então ele escreve de forma que não caracterize necessariamente aquilo que se quis dizer, mas que apenas se se subentende. Logo ele passa a mensagem desejada mas não pode ser penalizado. As formas de linguagem o permitem fazer essa construção.

Apelativo: aproveita a possível ambigüidade dos dados para narrar maliciosamente, com um tempero falso, insinuado, fatos que não têm esse teor. É um péssimo exemplar: “A Secretaria de Controle Urbano foi impedida de atender ao público, ontem, em conseqüência de verdadeiro bloqueio organizado nas proximidades da Cinelândia por um grupo de cidadãos de sexualidade ambígua, em protesto contra a decisão da juísa Maria da Glória, que não autoriza a retirada manifestação... Aos gritos de ‘queremos homem’, os manifestantes se recusaram a ser atendidos pela juísa...”. (PENA, 2007, p. 47).

Justamente por ter dezenas de jornalistas cobrindo o caso Isabella, que a Folha de S. Paulo precisou chamar bastante a atenção do seu leitor para as matérias sobre o crime.

Multilide: é uma espécie de antilide, na medida em que esvazia o primeiro parágrafo da concentração dos dados essenciais e os apresenta aos poucos, em cada parágrafo. A novidade aqui é o tratamento do estilo “jorro” que cada parágrafo recebe, formando um discurso sem a estrutura piramidal invertida, mas trabalhando de forma impactante e autônoma cada elemento essencial – por parágrafo. Às vezes um dado essencial ocupa mais de um parágrafo; em outras ocasiões, dois estão reunidos num mesmo parágrafo. O estilo articulado, bem amarrado, é outra marca da narrativa. (PENA, 2007, p. 48).

Sendo assim pode ser uma justificativa para não ter sido encontrado nenhum lead que o primeiro parágrafo estivesse vazio, sem muitas informações, sendo complementadas depois no estilo “jorro”, que é o caso do Multilide.

3.1 OS SENTIDOS DOS ENUNCIADOS DA FOLHA DE S. PAULO
Os textos não são narrativas fáceis de serem construídos, para isso é preciso o conhecimento técnico de uma série de regras que são normatizadas pela língua portuguesa. Assim, um fato é pensado, destrinchado, especulado e o enunciador tem a responsabilidade de saber escrever sobre aquele assunto, sabendo organizar cada etapa que constitui o texto, e assim dar sentido ao que é abordado.

Os textos não são narrativas mínimas. Ao contrário, são narrativas complexas, em que uma série de enunciados de fazer e de ser (de estado) estão organizados hierarquicamente. Uma narrativa complexa estrutura-se numa seqüência canônica, que compreende quatro fazes: a manipulação, a competência, a performance e a sansão. (FIORIN, 2001, p. 22).

Durante os textos também existem as manipulações, neste caso, na Folha de S. Paulo usou em suas matérias, diversos exemplos que levaram o leitor a acreditar que o pai de Isabella, Alexandre Nardoni; e sua esposa, Anna Carolina Jatobá, foram quem cometeram o crime. Fato que ainda não foi definitivamente decidido pela justiça, órgão que possui o poder de julgar, segundo o direito, a melhor consciência, e assim mantém a ordem social. Assim quando a Folha diz: “Promotor vê contradição entre pai e madrasta” está falando que em sua visão há contradições entre eles, mas não necessariamente o que existe em sua visão é a verdade absoluta, então a matéria sobre os acusados passou a ser manipulada pelo jornal para a sociedade, pois os dois não foram avaliados mais pelas evidências do crime, mas, sim, pela visão do promotor.

Na fase de manipulação, um sujeito age sobre o outro para levá-lo a querer e/ou dever fazer alguma coisa. Quando um pai determina que o filho lave o carro, ocorre uma manipulação e o filho passa a ser um sujeito segundo o dever, embora não necessariamente segundo o querer. Lembramos que o sujeito é um papel narrativo e não uma pessoa. É o ciúme o sujeito que impele Otelo a querer matar Desdêmona. Os dois sujeitos narrativos (o manipulador e o manipulado) podem ser representados, no nível discursivo, por uma mesma personagem. No enunciado “Aurélia resolveu casar-se com Seixas”, Aurélia é, ao mesmo tempo, o manipulador e o manipulado, agindo segundo o querer. (FIORIN, 2001, p. 22).

Para José Fiorin, (2001), “A narração constitui a classe de discurso em que estados e transformações estão ligados a personagens individualizados”.

Na fase da competência, o sujeito que vai realizar a transformação central da narrativa é dotado de um saber e/ou poder fazer. Cada um desses elementos pode aparecer, no nível mais superficial do discurso, sob as mais variadas formas. No romance O Curtiço, quando se narra que João Romão vivia miseravelmente, amealhando cada tostão com a finalidade de construir as casinhas do cortiço para alugar, o dinheiro poupado é a forma concreta do poder construir e as casinhas, por sua vez, são concretizações de um poder acumular cada vez mais. Nos contos de fada, o poder aparece, por exemplo, sob a forma de um objeto mágico que dá ao príncipe um poder de vencer o dragão: ora é o anel mágico, ora a espada mágica, etc. (FIORIN, 2001, p. 23).

Quando o jornal diz: “Para polícia, mulher bateu e pai jogou Isabella”, o contexto nesta frase transparecido é que os dois são culpados, mesmo tão cedo para se falar dessa forma, numa edição em que saiu a apenas dezessete dias do crime e que ainda houve diversos recursos e perícias para chegar ao verdadeiro desfecho do caso, a Folha foi tendenciosa, pois ela passou a mensagem desejada, mas de forma indireta. Assim, com essa construção o casal passou de acusado para ser culpado.

A performance é a fase em que se dá a transformação (mudança de um estado a outro) central da narrativa. Libertar a princesa presa pelo dragão é a performance de muitos contos de fada. Encontrar o pote de ouro no fim do arco-íris, ou seja, passar de um estado de disjunção com a riqueza para um estado de conjunção com ela pode ser uma performance. (FIORIN, 2001, p. 23).

Então a Folha publicou na matéria do dia 21 de abril, 2008, uma manchete que diz: “Anna Jatobá apanhou na prisão, diz avô de Isabella”. Depois que o jornal quase falou de forma direta sobre o crime como sendo praticado pelo casal, usou essa manchete exprimindo uma conseqüência daquilo que foi praticado. Nesta corrente considera que quando há uma ação, está por natural, provoca uma reação, isto é, “como a madrasta foi culpada, agora está pagando por suas ações”.

A última fase é a sansão. Nela ocorre a constatação de que a performance se realizou e, por seguinte, o conhecimento do sujeito que operou a transformação. Eventualmente, nessa fase, distribuem-se prêmios e castigos. Na história da Gata Borralheira, a humildade e a resignação são premiadas e a arrogância e o orgulho, castigados. (FIORIN, 2001, p. 23).

Cada construção textual possui um sentido real e que lhe foi atribuído pelo locutor. Quando o leitor decifra aquele texto, ele entende, justamente porque também dispõe do mesmo código que escritor, isto é, um está em sincronismo com o outro, ligados de alguma forma, pois se fosse ao contrário ambos não se entenderiam.

Considera-se, geralmente, que cada enunciado é portador de um sentido estável, a saber, aquele que lhe foi conferido pelo locutor. Esse mesmo sentido seria decifrado por um receptor que dispõe do mesmo código, que fala a mesma língua. Nessa concepção da atividade lingüística, o sentido estaria de alguma forma inscrito no enunciado, e sua compreensão dependeria essencialmente de um conhecimento do léxico e da gramática da língua; o contexto desempenharia um papel periférico, fornecendo os dados que permitem desfazer as eventuais ambigüidades dos enunciados. Se dissermos, por exemplo, “O cachorro late” ou “Ela está acesa”, o contexto serviria apenas para determinar se “o cachorro” designa um cão particular ou a classe dos cães; a quem o pronome “ela” se refere e se “acesa” se refere a um estado (a lâmpada está acesa) ou a um comportamento (a criança está acesa). (MAINGUENEAU, 2002, p. 19).

Quando a Folha de S. Paulo fala sobre o caso Isabella com a linguagem coloquial, isto é, a linguagem popular, porém não fugindo das normas cultas, o leitor entende o que ela está transmitindo, dessa forma tanto um alto executivo quanto outro profissional menos privilegiado compreendem a mensagem.